domingo, 22 de março de 2015

Se sorrir, arrisca-se a ganhar um abraço.



Sou do tipo que cumprimenta todo o mundo. Basta que alguém olhe para mim. E um papo também não dispenso.  Uma colega me diz que eu tenho assunto até pra gente chata. Ora, por que não? Os mineiros não têm fama de bons de prosa?

De vez em quando faço experiências. Saio por aí cumprimentando todo mundo só para ver o resultado. Uns olham e respondem desconfiados. Outros respondem firmes.  Outros fazem cara de paisagem.  É que o mundo anda tão difícil e triste que pessoas fogem de pessoas. Talvez fosse melhor viverem sozinhas, só com seus aparelhinhos, tipo celular, para conexão com quem desejarem, sem necessidade de ficar perto de gente. Ou com seus cachorrinhos. Olhar nos olhos compromete.

Outro dia, andava no calçadão com meu marido, quando uma moça olhou-me, sorridente. Cumprimentei-a e meu companheiro perguntou-me quem era. Eu disse que não sabia. E, ele: Você é engraçada. Cumprimenta todo mundo e nem sabe quem é. Basta olhar pra você. Se sorrir, então, arrisca-se a ganhar um abraço... Respondi: Depois que li aquele texto sobre o abraço, até que seria bom.  Eu ficaria com dois corações, como fala o matuto da crônica.

A propósito, li no jornal “A Gazeta” o seguinte comentário de Jorge Vidor: “Nada menos que 700 advogados trabalham hoje na Petrobras. Diante das confusões que envolveram a companhia, tem executivo lá pedindo parecer jurídico até para dar bom dia”. Claro que é uma brincadeira, numa situação esdrúxula, mas serve para ilustrar nosso dia a dia, com as pessoas com medo de tudo. Que mulher é essa me cumprimentando? Que será que ela quer? Assim, a diferente ou a esquisita sou eu.

Se é preciso paz pra poder sorrir e amor pra poder pulsar, como diz a bela música de Almir Sather, é muito difícil cumprimentar e, mais ainda, dar um abraço, porque, hoje,  a paz está só no dicionário e o amor é líquido.

Melhor e sem perigo algum é o contato apenas virtual, onde posso falar do que quiser, mostrar-me feliz quando ninguém vê minha cara de sofrimento,  colocar um tal de kkkk, de algo que nem graça achei, exibir meu último penteado, minha viagem maravilhosa, inventar coisas etc, etc.

Perigo, perigo mesmo, é o real, é o pé no chão, é olhar nos olhos, é comprometer-se com as pessoas.

Sou, então, a esquisita. De outro tempo. Do tempo real. Quem sorri para mim, arrisca-se, mesmo, a ganhar um abraço.

Maria Francisca – outubro/2014.

 

segunda-feira, 9 de março de 2015

Castelo e Sonhos



Hoje vi um castelo. Daqueles grandes, com direito a torres, prisioneiros, ou melhor, prisioneiras (porque as torres sempre tiveram prisioneiras, por obra e graça de alguma bruxa). Tinha também Rapunzel, ou seja, era um castelo de verdade. E estava escrito: “Castelo”, pra tirar qualquer dúvida.

O detalhe é que Rapunzel naquele momento não estava à vista. Talvez estivesse com medo daquele mundão de gente que passava em frente ao castelo. Ou talvez dormindo, porque ainda era bem cedo.

Ia eu para o aquecimento dos Passos de Anchieta, saindo de Barra do Jucu para chegar a Ponta da Fruta, num solão de rachar, ou melhor, de esfolar qualquer pele desprotegida. E ali, bem ali naquela rua, surge aquele castelo.  Sempre tive uma queda por Rapunzel, apesar de nunca ter cultivado tranças como uma das minhas irmãs que, infelizmente pra nós e felicidade pra ela, espero, já está no Infinito.  As tranças dela por certo dariam para levantar um príncipe, tão grandes e fortes. Era um belo cabelo preto, que ela usava enrolando as tranças em volta da cabeça, como uma coroa. Só que um dia, pena, voltou de uma viagem a Bom Jesus da Lapa sem os cabelos. Com eles curtinhos. Resultado daquelas famosas promessas que as mães faziam e as coitadas das filhas precisavam cumprir, mesmo contra a vontade. Acabou a força, como Sansão, e foi também o fim da beleza daqueles cabelos pretos e brilhosos. E, pra completar, adeus minha motivação pra sonhar com Rapunzel. 

Fiquei olhando o castelo e me lembrando dessas coisas, das bruxas e princesas que povoaram minha infância e eis que surge Fiona, ainda princesa, no colo do seu Shrek. Uma princesa muito feia, nem chegava aos pés da Rapunzel. Mas, aí, acordei para minha realidade: as princesas eram bonitas porque eu as via com os olhos da infância, da inocência, quando tudo é bonito e colorido. Pior é que Fiona ficou ainda mais feia depois pra se casar com seu príncipe mais do que feio que, ela, certamente, achava bonito. O amor, sempre o amor, vendo as coisas com outro olhar.
E aí veio o burro, com aquela implicância toda, aquela amolação, e eu não quis mais ver princesa, nem príncipe, nem Castelo, porque perto de mim passavam bravos lutadores (contra moinhos de vento), caminhando, caminhando, para desafiar não sei o quê e eu os segui, novamente, porque Dom Quixote eu sempre fui e acho que vou continuar sendo, mesmo sem querer. Então, ando, ando, pareço um judeu errante, como diria Adélia Prado. Não porque penso estar minha saúde no calcanhar, mas porque gosto desse exercício diário, enquanto vou reparando aqui e acolá, seja gente, sejam castelos ou simples casinhas com seus cachorros, pequenos ou grandes, mas sempre nos dando sustos. Caminhei a manhã inteira e parte da tarde. Cansada e feliz da vida.
Retorno a casa e chego à varanda, para ver o mar com suas enormes ondas a cair na areia com estrondo. Olho para cima e fico encantada com o colorido do céu, cheio de parapentes flutuando no ar.

Ai, meu Deus! Que vontade de voar!
E ali fiquei a  sonhar...
Maria Francisca – 21 de fevereiro de 2015.