terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

CAFÉ COM PÃO, MANTEIGA NÃO!



O clássico “Café com pão, manteiga não” misturava-se nos meus sentidos à também clássica “Trenzinho do Caipira” do nosso Villa Lobos: Lá vai o trem com o menino, lá vai a vida a rolar... Ora ouvia o som de Maria Bethânia, ora instrumental, ora a voz (barítono profundo?) de Zé Ramalho. O insight foi a chegada à estação Pedro Nolasco, de Cariacica, ES, onde embarcaria, daí a pouco, no trem da Vale,  com destino a Intendente Câmara, em Ipatinga, Minas Gerais.

Desde os anos 80 não viajava de trem.

Naquela época, as janelas abertas durante todo o percurso, devido ao escaldante calor, uma nuvem fina de poeira escura entrava, sorrateira, e cobria-nos a todos com seu manto. Chegávamos ao destino negros, totalmente negros, de tanto pó. As malas e apetrechos pelos corredores, farofa, frango, somando-se àqueles rapazes que serviam bebidas e salgados, nos vagões, formava uma confusão só.    Isso na chamada primeira classe, que ainda tinha poltronas.  Na tal segunda classe, pior. As cadeiras de madeira, às vezes sem cadeira para todos, tantas as bagagens, fazia com que alguns, extenuados, sentassem ou deitassem sobre bolsas, malas, para um pseudo-descanso. Aí, a coisa piorava, porque nem se podia passar, no meio daquele “rolo”.

Mas agora, tudo é diferente. A classificação das acomodações também mudou, talvez num esforço inútil para alcançar o que se convencionou chamar de politicamente correto: temos a classe executiva e a econômica. Pode-se comprar passagem pelo site, mas, pena, o bilhete para embarque só é entregue no guichê.

Ao embarcar, a primeira coisa que me aconteceu, “pra variar” foi errar o meu vagão. Fui para a classe econômica, que achei muito boa, olhei o número coincidente da cadeira e já estava bem tranquilinha, quando a dona da poltrona chegou e, delicadamente, me explicou que eu deveria ir para a classe executiva, dois vagões à frente.

Segui, com o trem já em movimento, para o lugar a mim reservado, tentei acomodar minha mala, mas, ai, não cabia naquele espaço apertado sobre as poltronas. Um senhor, gentilmente, me ajudou a acomodar a bagagem num compartimento no final do vagão, malas em cima de malas. Coitado de quem levou algo frágil, pois chegaria ao destino em frangalhos. Ruim, ainda, é que cada um que cuide de sua bagagem, mesmo que ela fique distante de seus olhos. Se perder, perdeu.

Sentei-me e fiquei a imaginar como passar mais de oito horas ali, parada. Lembrei-me de que havia levado vários livros e, depressa, peguei “O inverno de nossa desesperança” de Steinbeck. Uma maravilha de livro que, aliás, lhe rendeu o prêmio Nobel da literatura. É a história de Ethan, herdeiro de uma importante família de uma cidadezinha de Nova Inglaterra. Sua família foi à falência e ele trabalha como empregado numa mercearia, mas, de tanto a mulher e os filhos reclamarem da pobreza em que vivem, resolve abandonar seus escrúpulos e princípios.  Bela e triste história. Lendo, consegui passar, maravilhosamente bem, as 8 horas e trinta minutos da viagem.

No retorno, uma semana depois, duas famílias em férias, ruidosas, estavam no vagão. Exatamente nas cadeiras à frente da minha, 10 pessoas. E exatamente atrás, mais doze. Uma senhora do grupo resolveu cantar, em pé, atrás do meu assento. Haja paciência... E andavam pra lá e pra cá, trocavam alimentos, riam alto, gritavam para os que estavam mais longe. No inicio, tudo bem, é até bom ver tanta alegria e animação, mas depois de um tempo, cansa. Pra piorar, o clima ora esfriava de dar arrepios, ora esquentava. Foi um tal de vestir e desvestir agasalho que não acabava mais.

Como não conseguia me concentrar na leitura, voltei minha atenção para a paisagem. Bonita em determinados lugares com belas árvores, vegetação verde, animais com pastagem farta. Mas, como sempre, pobreza e secura em outros. Casebres à beira da linha. Não sei como vivem, se dormem, com aquele barulho de trens de cargas de dia e de noite, sem contar o de passageiros, duas vezes ao dia. 

O Rio Doce, coitado, assoreado, sujo, maltratado, a mais não poder, com duas barragens no trajeto. Em determinados lugares, nem se via água; era só pedra.  Num ponto, estava tão seco, areia pura, que fez a criançada gritar: Praia!

Fui observando tudo pelo caminho afora e pensando: o que estamos fazendo com nosso mundo... O que acontecerá às próximas gerações...  E aí, enveredei pela corrupção endêmica, a falta de escrúpulos neste nosso mundo de Deus.  Tristemente, pensei se não seria esse “o inverno de nossa desesperança”...

Para afastar a tristeza, retomei minhas audições imaginárias do início da viagem e segui assim, até o fim do caminho: ...Cantando pela serra do luar, correndo entre as estrelas a voar, no ar no ar, no ar, no ar, no ar...


Maria Francisca – julho de 2015. Publicado, inicialmente no facebook da Vale.

VÓ, VOCÊ ESTÁ AÍ?



Voz de neto é música para meus ouvidos

Sentada prazerosamente na varanda, lia um belo livro, aliás, nome sugestivo, “O livro dos abraços”, de Galeano, enquanto aproveitava o ventinho gostoso que vinha do mar. De repente, um som intrometido e característico interrompe minha leitura. Abro o celular e leio: Vó!

É assim que os netos Gustavo e Gabriel costumam fazer. Lançam um “vó” no whatsapp, para que eu entre on line e eles falem o que desejam, principalmente quando estão fora de casa.

Hoje o Gabriel resolveu telefonar. E quase chorando, porque esquecera na mochila do Inglês o material que teria que levar para a aula. Ligou para meu celular, mas não ouvi. Quando ligou de novo, talvez pensando que eu não iria atender ao telefone de casa, já estava com voz de choro. Vó, cê tá aí?
De uma outra vez, era o Gustavo. Telefonei, para ganhar tempo. Queria recomendar o tipo de ovo de páscoa que desejava e teria que ser depressa, porque só era encontrado nas Lojas Americanas.

O dia inteiro ouço esta cantilena: Vó, faz isso para mim, vó, me leva em tal lugar, vó, você pode me levar à escola hoje? Vó, você traz pra mim o caderno que esqueci em sua casa? Vó, faz macarrãozinho pra mim. Ou, então, no meu ouvido, quando viajamos: vó, quantos chinelos você trouxe? Nesse caso, já sei que esqueceu os próprios chinelos em casa. Daniel  não telefona, mas é mestre em falar de presentes de nome esquisito. Teté (é assim que ele me chama), o presente que quero no meu aniversário é... ( e fala um nome que não entendo), mas você pode olhar isso na internet, tá? E quando está aqui em casa, pergunta depressa: Você pode me levar à escola?  Leozinho, por enquanto, só me pede pra brincar com ele. E temos longas conversas nas brincadeiras.  Pedro, ainda muito pequeno e morando no exterior, fica só na saudade.

É uma relação interessante essa de avós e netos. Quem não se lembra do tempo de criança em casa de avós? Eu, de vez em quando, me vejo pequena, sentada em volta de uma enorme fogueira, escutando meu avô contar histórias. Ou com minhas tias, pescando lambaris num riozinho de águas transparentes.

É uma relação tão prazerosa, que fico a imaginar como fazem, ou como sentem as avós, quando são impedidas de ver os netos. Digo isso, porque há separações de casais em que um dos cônjuges está tão magoado que impede ou dificulta a relação das crianças com a família do outro. Deve ser muito triste.

Por isso, quando um neto me chama, não tem livro bom, não tem ventinho gostoso, não tem nada.
Só tem o neto me chamando...

Maria Francisca – maio de 2015. Publicado, inicialmente, no site: www.questoesdefamilia.com.br







domingo, 7 de fevereiro de 2016

TUAS MÃOS


Para minha mãe

Minhas mãos rugosas lembram as tuas.
Minhas lembranças misturam-se aos sonhos
E vejo tuas mãos, olhando as minhas.

Mãos que meus filhos embalaram
Mãos que meus filhos acalmaram
Mãos que sempre acarinharam
Mãos que na luta não se abalaram.

Quanta vida por ali passou
Quantos bebês essas mãos ninaram
Quanta beleza essas mãos criaram.

Elas que andaram por ruas amparando
Elas que vestiram sonhos de desamparadas
Elas que saciaram a fome de afilhados
Elas que aliviaram de muitos o cansaço
Elas que iniciaram da vida o abraço.

Mãos carinhosas, mãos caridosas, mãos sofridas.
Mãos cansadas, mãos amadas, mãos amigas,
Mãos que fazem parte de minha vida.


Maria Francisca – novembro de 2015