terça-feira, 15 de março de 2016

SOU HUMILDE, GENTE!



[...] vaidade das vaidades! Tudo é vaidade.
Eclesiastes, 1, 2
Eu sempre digo que sou simples, sou humilde. Daí vem minha vaidade.  Será?

Ontem, uma senhora elogiou meus cabelos. Eu agradeci. Outra que estava perto disse: Ela é toda bonita. Ao que a primeira retrucou, rindo: Só não falei pra ela não ficar muito vaidosa. Rimos e eu completei: É, mesmo. Vou ficar inchada. Rimos todas.

Lembrei-me disso, por uma bobagem que me aconteceu, hoje. Caminhava no calçadão, como de costume, “me achando” como dizem, porque todos elogiam minha boa forma física. Já estava como a rã da fábula. Estufava o peito e andava, andava.

Ai, passou um senhor com um passo normal, comum, e foi à frente. Não consegui acompanhá-lo. Pensei: Que nada, é homem. As pernas são maiores, mais fortes do que as minhas. E continuei me achando.
Daí a poucos minutos, vem uma senhora, no dizer de muitos, senhorinha, porque não se pode mais dizer uma idosa (não sei por que se a lei nos chama de idosos. Só se a palavra caiu de moda), rápida e fagueira, passou-me à frente e seguiu firme e forte.Aí, minha vaidade foi pro brejo... Murchei.

Cada dia descubro uma desqualidade minha (pra não falar defeito, rs). Que sou preguiçosa, isso já sabia desde sempre.  Às vezes, dá vontade de fazer como sugeriu Pedro a Jesus (Lucas, 9,33): “Mestre, é bom estarmos aqui. Podemos levantar três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. Principalmente quando tenho muita coisa para fazer e não sei por onde começar.

 Já´ falei no poema Confissão (In Sal, pimenta e ternura) que sou invejosa: “Tenho inveja! Descobri esse sentimento pobre, podre e disforme”. Mas só de vez em quando. Claro. Tento me fazer gente. Mas é difícil, às vezes, não ter uma invejazinha. Leio sempre sobre a inveja, porque esse “pecado capital” o mais horrível de todos. Zuenir Ventura, por exemplo, escreveu “Inveja, mal secreto”, parte daquela coleção Plenos Pecados, da Editora Objetiva. Nele, Zuenir tenta revelar algumas facetas desse pecado inconfessável. Já Nilton Bonder, em “Cabala da Inveja”, faz distinção entre ciúme e inveja. No ciúme, queremos obter algo para nós, independente da pessoa que tenha aquele algo que queremos.  “Sonhamos nos tornar o objeto do amor ou do prazer que imaginamos que o outro desfruta; uma vez que isso aconteça, o indivíduo de quem tínhamos ciúme já não nos interessa. O ciúme tem seu centro em nós mesmos.” Na inveja o foco é o outro. O invejoso passa a ser refém do outro. Não quero algo para mim, quero que o outro não tenha esse algo.   O Rabino, então, traz o exemplo de Caim (interpretando Gên 4:6). Caim ficou com muita raiva, não porque Deus não aceitou sua oferta, mas porque aceitou a oferta de Abel.
Querem saber de uma coisa? Chega de falar de minhas desqualidades. Daqui a pouco, sento num canto e choro, pensando que sou péssima.
Tenho meus defeitos, mas tenho também minhas virtudes.
Quem é perfeito? Só Deus.


Maria Francisca – março de 2015, num dia de reflexão.

sábado, 12 de março de 2016

CANTIGAS DA PRISÃO

Para Sidemberg

Sabia voar.
Poderia ser uma águia
Perdi minha essência e naufraguei.
Meu lado avesso venceu.

Queria luz, procurei trevas.
E trevas encontrei no meu deserto,          
Onde vento e silêncio espalham areias,
As saudades do meu eu que perdi
E ferem meus olhos

Pensei no ritmo, esqueci o rumo.
Sem prumo, nas trevas, cambaleio.
Falta ritmo, falta rumo
E a madrugada não vem.

Dizem que sou bandida. Não creio.
Condenada estou, eu sei.
Mas preciso de outro olhar
Compassivo, curativo, renovador.

Sofrida, sou, não nego, mas canto,
Pra afastar o desalento e o pranto
Que teima em escorrer n’alma
Enquanto olhos secos vigiam
A noite escura.

Maria Francisca – 18/11/2014, após assistir à apresentação do coral “Maria, Marias”,  das presidiárias de Cariacica.